
Tem a coragem de usar a tua própria inteligência
A crise educacional global
Os humanos, em geral, não gostam de pensar intensamente. Uma análise recente envolvendo mais de 170 estudos em 29 países, e 358 tarefas distintas – desde aprender a usar tecnologia nova, à prática de tacadas de golf – permitiu concluir que em todos os casos as pessoas sentiam maior frustração e stress quando tinham de usar mais o cérebro. Quando dados a escolher, tanto ratos de laboratório como humanos escolhem tipicamente o caminho da menor resistência (1).
Como verá adiante, as novas gerações (a começar na Z – ver Figura 1) não se têm destacado pela boa educação, tanto em casa como nas escolas, e têm sido demasiado sobreprotegidas por pais e líderes educativos. A adaptação é fundamental ao desenvolvimento cognitivo, mas nas últimas décadas tem-se imposto cada vez mais um modelo de ensino onde é dever do professor moldar-se ao aluno. E depois da escola, o Mundo adaptar-se-á ao indivíduo?

Em A fábrica de cretinos digitais, o neurocientista Michel Desmurget (PhD) revela, com base científica, que a geração Z é a primeira a ter um Quociente de Inteligência (QI) inferior ao dos pais, contrariando o efeito Flynn. Essa tendência foi documentada em países onde os fatores socioeconómicos têm variado pouco, como a Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda ou França (2). Uma das principais causas dessa “descerebração” é o péssimo e abusivo uso da tecnologia, sendo que nem o facto de serem apelidados de “nativos digitais” os torna especialmente competentes em informática (2). Um grupo de investigadores Canadianos estimou em 2022 que o excesso de tempo passado em frente a ecrãs durante o desenvolvimento cerebral aumentará, em fase adulta, o risco de demência relacionada com a doença de Alzheimer (3).
Os testes PISA são feitos por alunos de 15 anos, e a geração Z alcançará(ou) essa idade em 2012-2027 (4, 5). Repare na Figura 2 que é precisamente desde 2012 que se dão as descidas mais abruptas no desempenho médio da OCDE em matemática, leitura e ciência.

Sobre a realidade da educação escolar Portuguesa, os seguintes relatos deixam claro como um problema educacional com raízes familiares pode ser consideravelmente agravado em instituições de ensino. Um inquérito de Janeiro de 2025 a 2529 professores da escola pública Portuguesa revelou (ref1, ref2):
- Agredidos na escola: 59%
- Agredidos por encarregados educação: 53%
- Baixa médica (bullying): 15%
- Direções escolares são apontadas como as principais perpetradoras de coação e ameaças contra docentes.
O estado da #EscolaPública em #Portugal. 'Criaram uma #escola de facilitismo crónico, onde grassa a indisciplina, o desinteresse, a apatia e a total desvalorização do conhecimento e do esforço individual implícito ao ato de aprendizagem. Uma escola sem obstáculos para vencer.' — archive.ph/NPu1K
— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) November 20, 2024 at 7:55 PM
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"A escola pública arrisca transformar-se numa tragédia até 2030 por falta de planeamento estrutural e por políticas cínicas e ineficazes. Em breve, vamos precisar de uma espécie de troika para a educação em Portugal…" archive.ph/PPgZr #EscolaPública #educação #Portugal
— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) November 19, 2024 at 10:39 PM
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"A criança-rei submeteu os encarregados de #educação à desvalorização dos #professores e nivelou por baixo o clima das escolas. Esta demissão educativa global empurrou, durante mais de uma década, o poder político para o silêncio sobre a falta estrutural de professores." archive.ph/pePD4
— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) July 3, 2025 at 2:39 AM
Crise na #Educação em #Portugal: uma geração em risco. "estamos em queda livre." archive.ph/3905U
— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) July 6, 2025 at 8:02 PM
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Por estes e outros (ref1, ref2, ref3) factos/relatos, não é de admirar que haja um défice de professores em Portugal, que pelos vistos é também uma dura realidade no Brasil.
Segundo o filósofo e professor Clóvis de Barros Filho, a discussão filosófica mais urgente para o Brasil é a educação.

A nossa história não é o nosso código genético. Não temos de viver como vivemos porque no passado as coisas foram como foram (…) Cada segundo é uma oportunidade generosa de revolucionar.
Clóvis de Barros Filho
Se olharmos para os desempenhos de vários países em testes internacionais de matemática, leitura e ciência, como o PISA ou TIMSS/PIRLS, reparamos não só que o desempenho Português é medíocre no contexto da OCDE, bem como que os asiáticos apresentam melhor desempenho a matemática. Segundo o jornalista e escritor Britânico-Canadiano Malcolm Gladwell, os asiáticos superam os jovens ocidentais aos pontos graças especialmente aos seguintes valores (passados entre gerações):
- Esforço e Persistência
- Brio
- Respeito pelo professor
- Responsabilidade
Gostaria de realçar um outro valor que deverá surgir como consequência natural dos anteriores, e que acredito ter uma presença regular em locais de ensino e de estudo na Ásia (ref) – o silêncio. Desde as neurociências à cardiologia, há um consenso crescente sobre (i) a séria ameaça do barulho para a saúde e cognição, e (ii) o papel vital do silêncio, especialmente para o cérebro. Pitágoras viu na prática de estar em silêncio um pré-requisito de toda a sabedoria (6, 7).
Uma crise educacional em idade escolar poderá ter um efeito de bola de neve devastador na saúde e sucesso académico-profissional das partes envolvidas, especialmente dos alunos.
Um estudo recente em Portugal, com 2339 alunos entre os 17 e os 35 anos, revelou que mais de 50% dos estudantes universitários estão em burnout e 40% consomem substâncias psicoactivas (8). Segundo o Jornal de Notícias (ref), dados relativos ao ensino superior Português revelaram que, dos 51668 alunos inscritos pela primeira vez no 1º ano de uma licenciatura em 2017/2018 (exclui-se estudantes Erasmus ou que tenham mudado de curso/faculdade), apenas 45.6% a concluiram no tempo esperado de 3 anos, tendo a taxa de conclusão em 6 anos sido somente 63.2%. Nos mestrados de 2 anos, nem 30% dos alunos o conseguiram concluir no tempo previsto.
Nos Estados Unidos (EUA), cada vez mais docentes do ensino superior relatam que os estudantes chegam à Universidade com uma alarmante panoplia de desafios na aprendizagem. Há quem relate a necessidade de os auxiliar a tirar apontamentos, guiando-os sobre o que devem escrever e como o devem organizar, enquanto outros recordam a parca exigência e a inflação de notas praticadas no ensino escolar (9, 10). É de tal forma, que no ano lectivo 2019/2020 65.4% e 42.1% dos universitários do 1º ano nos EUA frequentaram cursos de reforço de matemática e leitura/escrita, respectivamente, segundo dados do National Center for Education Statistics. E note-se que em 2015/2016 os valores eram bem menores, 14% e 8.8%, respectivamente. Por outro lado, observou-se que as notas médias dos alunos em disciplinas nucleares do ensino secundário (e.g, matemática) aumentaram ano após ano entre 2010 e 2022 (10).
A má escola / universidade nivela por baixo, pois prioriza o lucro e a satisfação permanente de alunos e tutores. Ela premeia a mediocridade em detrimento da excelência, sendo tudo menos meritocrática. Este tipo de educação inviabiliza o crescimento do Homem.
— Razão (@razao.xyz) November 20, 2024 at 7:05 PM
Inclusão em #educação é permitir que todos tenham as condições adequadas para potenciar ao máximo os seus recursos cognitivos. "Todos, todos, todos!"
— Razão (@razao.xyz) February 20, 2025 at 4:39 AM
1. Ford C (2025). The case for using your brain — even if AI can think for you, Vox. 📦
2. Velasco IH (2020). “Geração digital”: por que, pela 1a vez, filhos têm QI inferior ao dos pais, BBC. 📦
3. Manwell LA, Tadros M, Ciccarelli TM, Eikelboom R (2022). Digital dementia in the internet generation: excessive screen time during brain development will increase the risk of Alzheimer’s disease and related dementias in adulthood, Journal of Integrative Neuroscience, DOI. 📦
4. OECD (2023). PISA 2022 results (volume I): The state of learning and equity in education, OECD. 📦
5. Wikipedia contributors (2025). Generation Z, Wikipedia – the free encyclopedia. 📦
6. Zorn J, Marz L (2022). How Listening to Silence Changes Our Brains, Time. 📦
7. UPMC – University of Pittsburgh Schools of the Health Sciences (2016). Limit Noise to Boost Your Child’s Brain Power, UPMC HealthBeat. 📦
8. Lusa (2025). Mais de metade dos universitários estão em “burnout” e 40% consomem psicotrópicos, RTP Notícias. 📦
9. McMurtrie B (2024). Is This the End of Reading?, The Chronicle of Higher Education. 📦
10. Heubeck E (2024). High School Students Think They Are Ready for College. But They Aren’t, EducationWeek. 📦
Inteligência artificial e os seus perigos
A inteligência artificial (IA), uma área da ciência da computação com aplicações em diversas áreas do conhecimento, tem o potencial de melhorar e prolongar a vida do Homem, mas também de a destruir. Os seus maiores benefícios resultarão do seu emprego em investigação científica, permitindo por exemplo prever fenómenos climáticos, desastres naturais, ou antecipar o diagnóstico de doenças graves (e.g, cancro). Os seus maiores malefícios serão causados pela sua utilização massiva e quotidiana em tarefas tradicionalmente executadas exclusivamente pela inteligência e criatividade do Homem. Este tipo de ferramentas, pertencentes actualmente a um tipo de IA denominada “generativa”, não só resultarão no declínio cognitivo e de saúde mental (e.g, SM1, SM2) de quem recorra a elas amiúde, como serão usadas como armas de desinformação (e.g, D1, D2), difamação e fraude. Permitirão os pais que os seus filhos utilizem aplicações sociais (e.g, Instagram) onde os utilizadores possam criar versões deles próprios baseadas em IA? (1).
O melhor uso da #IA será sempre científico — e.g, identificação de tumores malignos, previsão climática. IA que substitua tarefas cognitivas em larga escala irá prejudicar a humanidade: Vigilância Concentração Poder Desinformação Perda Emprego Saúde Mental Sedentarismo Perda Inteligência Fraude
— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) July 22, 2024 at 11:52 PM

The intersection of AI with the ocean of mass surveillance data that’s been building up over the past two decades is going to put truly terrible powers in the hands of an unaccountable few.
Tal como os belos algoritmos manipuladores das Big Tech, que prendem aos ecrãs os utilizadores das suas redes sociais durante demasiadas horas, também a sua IA generativa tem esse superpoder. As mentes mais frágeis começam por experimentar, e quando derem por si já estarão dependentes dela. Alguns poderão mesmo envolver-se emocional, sexual e obsessivamente com robots virtuais de IA, conhecidos em Inglês como chatbots (2, 3). O vídeo seguinte é sobre o testemunho de uma mãe que perdeu um filho por, alegadamente, ter criado uma relação com um chatbot.
Já em 2013 se previa tamanha catástrofe. Her é um bom filme, mas se há 12 anos era pura ficção, hoje infelizmente já se confunde com alguma triste realidade. Só a educação poderá combater esta distopia de forma eficaz e travar a crescente desumanização do planeta. Mas essa educação tem de começar em casa, pois lamentavelmente ainda não podemos contar com as instituições de ensino, mass media ou Estado para conhecer (i) os perigos da tecnologia que prioriza o lucro em detrimento da pessoa, e (ii) as alternativas existentes. Receio que a ignorância e o lobbying prevalecerão durante muito tempo.
O consumo de água e electricidade disparou nas empresas tecnológicas que dominam o mercado da inteligência artificial, uma vez que esses modelos – especialmente os de IA generativa para utilização massiva – requerem o processamento contínuo de quantidades astronómicas de dados. A água é necessária para os sistemas de arrefecimento dos servidores nos centros de dados, evitando o dano de componentes chave (e.g, processadores) por sobreaquecimento. Por exemplo, um email de 100 palavras escrito pelo ChatGPT (modelo GPT-4) chegou a consumir 1/2 litro de água, bem como energia suficiente para carregar totalmente 7 iPhones Pro Max. Um estudo recente revelou que a infraestrutura do ChatGPT consome por dia electricidade suficiente para “alimentar” todo o Empire State Building durante 1.5 anos (4, 5) – é absolutamente ridículo. Em 2023, a Google consumiu no total (não apenas devido à IA) mais de 24000 Milhões de litros de água (+ 17% que em 2022), a Microsoft mais de 7500 Milhões de litros (+ 22.5%), e a Meta mais de 2500 Milhões de litros de água (+ 17%). E já em 2022 o consumo tinha aumentado consideravelmente relativamente a 2021 (5, 6).
1. Heath A (2024). Instagram starts letting people create AI versions of themselves, The Verge. 📦
2. Hill K (2025). She Is in Love With ChatGPT, The New York Times. 📦
3. Roose K (2024). Can A.I. Be Blamed for a Teen’s Suicide?, The New York Times. 📦
4. Wright I (2025). ChatGPT Energy Consumption Visualized, Business Energy UK. 📦
5. Sellman M, Vaughan A (2024). ‘Thirsty’ ChatGPT uses four times more water than previously thought, The Sunday Times. 📦
6. Berreby D (2024). As Use of A.I. Soars, So Does the Energy and Water It Requires. E360, Yale School of the Environment. 📦