Renascimento da educação

Actualizado: 24/10/2025

Publicado: 08/10/2025

Apresentam-se em seguida relatos – já vividos na 1ª pessoa – sobre a realidade do sistema escolar em Portugal, público ou privado.

Um inquérito de Janeiro de 2025, a 2529 professores de escolas públicas em Portugal, revelou (ref1, ref2):

  • Agredidos na escola: 59%
  • Agredidos por encarregados educação: 53%
  • Baixa médica (bullying): 15%
  • Direções escolares são apontadas como as principais perpetradoras de coação e ameaças contra docentes.

O estado da #EscolaPública em #Portugal. 'Criaram uma #escola de facilitismo crónico, onde grassa a indisciplina, o desinteresse, a apatia e a total desvalorização do conhecimento e do esforço individual implícito ao ato de aprendizagem. Uma escola sem obstáculos para vencer.' — archive.ph/NPu1K

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— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) November 20, 2024 at 7:55 PM

"A escola pública arrisca transformar-se numa tragédia até 2030 por falta de planeamento estrutural e por políticas cínicas e ineficazes. Em breve, vamos precisar de uma espécie de troika para a educação em Portugal…" archive.ph/PPgZr #EscolaPública #educação #Portugal

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— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) November 19, 2024 at 10:39 PM

"A criança-rei submeteu os encarregados de #educação à desvalorização dos #professores e nivelou por baixo o clima das escolas. Esta demissão educativa global empurrou, durante mais de uma década, o poder político para o silêncio sobre a falta estrutural de professores." archive.ph/pePD4

— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) July 3, 2025 at 2:39 AM

Crise na #Educação em #Portugal: uma geração em risco. "estamos em queda livre." archive.ph/3905U

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— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) July 6, 2025 at 8:02 PM

"Pertenço a uma geração em que os pais (…) não iam à #escola protestar notas dos filhos, ou amedrontar os #professores." "O mundo dessa época era baseado em regras (…) Às regras podíamos chamar #educação (…) o professor falava e os alunos escutavam" Arquivo: archive.ph/v5IPh

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— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) October 1, 2025 at 4:04 PM

Por estes e outros (ref1, ref2, ref3) factos/relatos, não será de admirar que haja um défice crescente de professores em Portugal e noutros países ditos desenvolvidos. Trata-se de uma crise com raízes culturais e geracionais.

Em função dos relatos anteriores e da minha experiência docente em instituições de ensino escolar em Portugal, apresento seguidamente o que gostaria de ver implementado o quanto antes numa revolução do actual sistema educativo Português.

Figura 1. O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci (c. 1492).

A existência de coordenadores ou directores de departamento (e.g, departamento de matemática ou ciências exactas, de línguas e humanidades) não só é desnecessária como insustentável. Insustentável porque muitas das pessoas que ocupam esses cargos tendem a agir com alguma prepotência e arrogância para com colegas docentes “hierarquicamente inferiores” (não deve ser surpresa para o leitor – se Portugal tivesse bons líderes educativos, o estado da educação e o défice de professores não seriam tão alarmantes). Desnecessária porque uma instituição com directrizes claras previamente definidas, e continuamente revistas e atualizadas pelas direções executiva/pedagógica, não requer qualquer tipo de hierarquia entre docentes para que o seu trabalho seja feito correcta e eficientemente – apenas é necessária empatia, interajuda e meios eficazes de comunicação entre eles.

Sou a favor de um organograma onde todos os professores tenham igual importância, e tão-pouco sejam considerados hierarquicamente superiores a qualquer outro funcionário. Os professores devem ser dotados de autonomia e responsabilidade para apenas necessitarem de reportar à direção executiva/pedagógica da instituição, através de meios digitais a serem estabelecidos pela mesma.

Um estudo recente (1) revelou que 70% das reuniões impedem os trabalhadores de serem produtivos no emprego. Entre 76 empresas inquiridas, as quais reduziram as suas reuniões ao longo de 14 meses (introduzindo dias sem qualquer reunião), concluiu-se que a produtividade era 71% superior quando as reuniões eram reduzidas em 40% – os empregados sentiam-se mais empoderados e autónomos, consequentemente aumentando a sua satisfação em 52%. Estes e outros dados do estudo estão reflectidos na infografia da Figura 2. Note-se que o maior aumento da satisfação do empregado (+65%) foi conseguido quando se reduziram as reuniões em 60%, e a maior redução do stress (-75%) aquando da eliminação total desses encontros.

Figura 2: Impacto de menos reuniões no bem-estar e trabalho dos empregados (1).

As escolas não são exceção. Além da burocracia (imposta internamente ou pelo Ministério da Educação), que ao invés de ser entregue aos docentes deveria ser entregue – com o mínimo de input dos professores – a funcionários administrativos devidamente treinados, as reuniões entre professores e diretores podem, e devem, ser realizadas remota e assincronamente – ferramentas digitais colaborativas e de comunicação não faltam. No meu caso, é muito raro precisar de mais de 30% do tempo de qualquer dessas reuniões para recolher informação útil para o meu trabalho. Note-se, no entanto, que tal proposta jamais visa eliminar a possibilidade de realizar reuniões presenciais entre alguns colaboradores, se essa for uma preferência unânime.

Há escolas que impõem o tipo, a quantidade, a duração, e em certa parte a data dos elementos de avaliação sumativa (testes, trabalhos, questões-aula, etc) a aplicar a cada disciplina e em cada período. Há, no entanto, sérios problemas inerentes a essa imposição, além da perda de autonomia do professor:

  • Quanto maior for a carga avaliativa, menor será o tempo útil do docente para (i) ter vida própria, (ii) preparar aulas e (iii) lecionar de forma eficaz todo o programa curricular.
  • Em disciplinas como matemática, evidência científica (2) tem mostrado que testes com tempo limitado são a causa directa do início precoce de “ansiedade matemática” e de um fraco desempenho na disciplina.

Sian Beilock, professor associado de psicologia na Universidade de Chicago (EUA), descobriu (2) que quando as crianças são expostas a “stress matemático” são incapazes de resolver problemas matemáticos correctamente – o stress afecta a sua memória de trabalho (working memory), pilar fundamental da aprendizagem matemática. Na mesma direção apontam estudos da Universidade de Stanford (EUA), indicando que a “ansiedade matemática” altera a estrutura e funcionamento do cérebro (2)

A prevalência da ansiedade em testes é extensa e parece estar a aumentar, afectando indivíduos de diferentes faixas etárias e sexos, sendo possivelmente atribuível à maior frequência das avaliações nos tempos recentes (e à importância que lhes é atribuída) (3).

Enunciam-se várias liberdades de que qualquer docente deveria, no meu entender, ser sempre dotado. Autonomia para decidir sobre:

  • Ordem com que os conteúdos programáticos são lecionados.
  • Métodos/estilo de ensino e recursos materiais utilizados.
  • Tipo, quantidade, durações, datas, conteúdos e critérios de correção de provas sumativas. Num cenário de várias turmas e docentes por disciplina e ano escolar (cada docente teria as suas turmas), proponho:
    • Cada docente conceberia um mesmo número de provas em todo o ano lectivo (datas a acordar entre eles), as quais seriam aplicadas a todas as turmas e por esse docente corrigidas.
  • Avaliação contínua dos alunos no que respeita ao seu comportamento e interesse.
  • Expulsão de alunos indisciplinados da sala de aula.

Uma educação realmente inclusiva só poderá ser alcançada quando cada e todo o estudante tiver as condições de aprendizagem necessárias para elevar os seus recursos cognitivos ao máximo potencial. Contudo, tal meta torna-se inviável quando professores do ensino geral (muitas vezes sem qualquer formação e motivação em educação especial) são academicamente responsáveis por estudantes com necessidades educativas especiais (causadas, p.e, por condições como a dislexia, autismo, ou hiperactividade e défice de atenção). E estes estudantes frequentam, tipicamente, a mesma sala de aula que os colegas sem inabilidades diagnosticadas, sem qualquer alternativa de natureza lectiva. Como se não bastasse, o professor verá o seu emprego por um fio se não nivelar por baixo na hora de lecionar e avaliar, i.e. desprezando olimpicamente o potencial dos alunos bons a brilhantes. Tal sistema, vigorante em Portugal há demasiados anos, será qualquer coisa menos inclusivo e meritocrático.

Estudos já apontaram (4) para evidências preliminares de que a presença de alunos com necessidades especiais em aulas com toda a turma, poderá influenciar negativamente os professores no que respeita à sua rotatividade e aos desempenhos académicos dos alunos com e sem inabilidades.

Devolvamos a autoridade ao professor para que volte a fazer os alunos aprender, ou os últimos serão rapidamente “substituídos” por máquinas.

A má escola / universidade nivela por baixo, pois prioriza o lucro e a satisfação permanente de alunos e tutores. Ela premeia a mediocridade em detrimento da excelência, sendo tudo menos meritocrática. Este tipo de educação inviabiliza o crescimento do Homem.

— Razão (@razao.xyz) November 20, 2024 at 7:05 PM

A felicidade emana do conhecimento, e não o contrário. A ideia de que o aluno não se pode sentir perdido ou frustrado em sala de aula, não podia estar mais errada. #educação #portugal (archived on archive.ph/rQjZ6)

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— Razão (@razao.xyz) September 26, 2025 at 11:47 PM

Condições necessárias para aprender:

  • silêncio
  • atenção / concentração
  • paciência
  • dedicação
  • persistência / brio
  • ler e escrever (em papel)
  • questionar e esclarecer
  • compreensão teórica
  • praticar
  • errar
  • rever
Aprendendo inteligência, Prof. Pierluigi Piazzi (2008).

Proponho turmas até 20 alunos, idealmente com 15 ou menos.

Os benefícios do silêncio para a saúde e cognição são inegáveis. Mas para o ter, não basta reduzir o número de alunos por turma. O professor tem de ter a autoridade necessária para expulsar todo e qualquer aluno indisciplinado que prejudique reiteradamente o ambiente de aprendizagem. Além disso, as ecolas precisam de espaços de trabalho fora da sala de aula que estejam em silêncio, nomeadamente bibliotecas e pequenos gabinetes para os docentes.

Os problemas associados aos ecrãs já foram abordados em A internet social… e Tem a coragem de usar a tua própria inteligência. O antídoto contra o surgimento do “cretino digital” é, segundo o neurocientista Michel Desmurget – autor do livro Ponham-nos a ler!, a leitura por prazer. Nesse livro, a leitura surge como o sustentáculo que permite à criança desenvolver os três pilares da sua essência humana: aptidões intelectuais, competências emocionais e habilidades sociais.

De uma vez por todas, os alunos e suas famílias devem compreender que ir à escola e assistir às aulas jamais será equivalente a aprender. Por exemplo, na Matemática aprende-se essencialmente como resultado de um estudo regular e individual, teórico e prático, baseado na leitura, compreensão e escrita (em papel).

"The Karolinska Institute in Sweden recently published research concluding there's clear scientific evidence that tools impair rather than enhance #learning. Sweden has taken note and been the 1st country to kick tech out of the classroom, reinvesting in books, paper and pens." #educação

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— Miguel Abambres (@abambres.bsky.social) September 3, 2025 at 10:34 PM

1. Laker B, Pereira V, Malik A, Soga L (2022). Dear Manager, You’re Holding Too Many Meetings, Harvard Business Review. 📦

2. Boaler J (2012). Timed Tests and the Development of Math Anxiety, Education Week. 📦

3. Yarkwah C, Kpotosu CK, Gbormittah D (2024). Effect of test anxiety on students’ academic performance in mathematics at the senior high school level, Discover Education, 3 (245), DOI📦

4. Gilmour AF (2018). Has Inclusion Gone Too Far? Weighing its effects on students with disabilities, their peers, and teachers. Education Next, 18(4). 📦


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