
História da Matemática: teorema de Pitágoras
Artigo baseado no livro “A Matemática e a sua História” de John Stillwell, editado em 2022 pela Imprensa da Universidade de Lisboa.
Pitágoras
Eis alguns factos sobre o filósofo e matemático Grego Pitágoras, ainda que pouco se saiba com certeza sobre ele:
- acredita-se ter nascido por volta de 580 a. C.
- aprendeu com Tales, tradicionalmente considerado o fundador da matemática Grega.
- fundou uma escola na Grécia com o lema “tudo é número”, onde ele e os seus membros (os “Pitagóricos”) tentavam aplicar as regras dos números aos domínios da ciência, filosofia e religião.
- a palavra “matemática” foi uma invenção pitagórica com origem no termo máthēma (μάθημα), que significa “o que é aprendido”.
- a escola tinha um código de sigilo que impunha que os resultados fossem considerados propriedade da escola sem identificação dos seus autores individuais, pelo que não se sabe exactamente quem descobriu o teorema de Pitágoras ou a irracionalidade de
\( \sqrt{2} \) . - diz-se que quando os pitagóricos tentaram estender a influência dos números à política, enfrentaram resistência popular; Pitágoras fugiu, mas terá sido assassinado em 497 a. C.
O Teorema, os números e a geometria
O teorema de Pitágoras – num triângulo rectângulo, a soma dos quadrados dos (comprimentos dos) catetos iguala o quadrado (do comprimento) da hipotenusa – é o mais antigo da matemática, e está na origem de 3 grandes fluxos do pensamento matemático:
- números
- um triplo (ou terno) pitagórico é um conjunto de 3 números inteiros positivos \( (a, b, c) \) que verificam a equação do Teorema de Pitágoras (ou equação pitagórica), i.e. \[ a^2 + b^2 = c^2 \].
- geometria
- começa com a interpretação de \( a^2 \), \( b^2 \) e \( c^2 \) como sendo as áreas de quadrados formados a partir dos lados de um triângulo rectângulo – ver Figura 1, onde \( a \) e \( b \) são os comprimentos dos catetos, e \( c \) o comprimento da hipotenusa.
- tem também uma conotação algébrica, uma vez que a equação pitagórica pode ser usada para determinar a distância entre dois pontos no plano, vistos como os vértices que definem a hipotenusa num triângulo rectângulo; o comprimento da hipotenusa é a distância procurada, enquanto os comprimentos dos catetos representam a diferença de coordenadas dos pontos em causa segundo \( x \) (abcissas) e \( y \) (ordenadas), respectivamente.
- infinito
- começa com a descoberta de que o comprimento da hipotenusa de um triângulo rectângulo com dois catetos unitários é um número irracional, o \( \sqrt{2} \); todo o número irracional é uma dízima infinita não-periódica, i.e. um número não-inteiro com infinitas casas decimais e sem qualquer algarismo ou conjunto de algarismos na parte decimal que se repitam sucessiva e infinitamente.

Ternos pitagóricos e o teorema recíproco
A história do teorema de Pitágoras começa na Babilónia em pelo menos 1800 a. C., muito antes do nascimento de Pitágoras. Numa pequena tábua de argila listavam-se pares de inteiros \( (a, c) \) possíveis de pertencer a um terno pitagórico. A tradução, interpretação e contextualização histórica da tabuinha foi publicada em 1945. Há ternos pitagóricos de fácil memorização, como por exemplo \( (3, 4, 5) \) ou \( (5, 12, 13) \), onde \( c = b + 1 \) em ambos. Sabe-se agora (provavelmente graças a Euclides) que as fórmulas gerais para gerar triplos pitagóricos são: \[ a = (p^2 – q^2)r \qquad b = 2qpr \qquad c = (p^2 + q^2)r, \] onde \( (p, q, r) \) são inteiros positivos quaisquer desde que \( p > q \). Se colocar estas expressões na equação pitagórica verá que a igualdade é verificada. Calculemos então um triplo pitagórico recorrendo às formulas gerais e tomando os valores \( (p, q, r) = (2, 1, 3) \): \[ a = (2^2 – 1^2) \times 3 = 9 \\ b = 2 \times 1 \times 2 \times 3 = 12 \\ c = (2^2 + 1^2) \times 3 = 15 \]
O reciproco do teorema de Pitágoras dita que se os comprimentos (inteiros ou não) dos lados de um triângulo verificarem a equação pitagórica \( a^2 + b^2 = c^2 \), então o triângulo é rectângulo (e \( c \) o comprimento da hipotenusa).
Pontos racionais da circunferência
Se dividirmos os números inteiros do terno pitagórico \( (a, b, c) \) por \( c \), obtemos um triplo de números racionais \( (\frac{a}{c}, \frac{b}{c}, 1) \) que continua a verificar a equação pitagórica, pois \[ \left[ \frac{a}{c} \right] ^2 + \left[ \frac{b}{c} \right] ^2 = 1 \qquad \qquad \text{(1)} \] é uma equação equivalente a \( a^2 + b^2 = c^2 \), obtida se dividirmos ambos os membros desta última por \( c^2 \). Por outro lado, uma circunferência de raio unitário e centro \( O(0, 0) \) tem equação \[ x^2 + y^2 = 1 \qquad \qquad \text{(2)}, \] onde \( (x, y) \) são as coordenadas de qualquer ponto que lhe pertença. A comparação das equações \( \text{(1)} \) e \( \text{(2)} \) permite concluir que existem pontos \( P(\frac{a}{c}, \frac{b}{c}) \) que pertencem à circunferência – os chamados pontos racionais da circunferência. As suas coordenadas correspondem aos comprimentos dos catetos de um triângulo rectângulo – com hipotenusa \( [OP] \) – inscrito no quarto de circunferência do 1º quadrante, como é ilustrado na Figura 2 para o triplo pitagórico \( (a, b, c) = (3, 4, 5) \).
